terça-feira, 16 de setembro de 2014

Música na igreja: todos os ritmos convêm?


Muito mais do que ritmo e letra, música é expressão, é sintonia direta com Deus, é adoração. Mas será que para louvar todos os estilos musicais convêm? A inserção de novas melodias nos cultos é um fenômeno sem volta, mas que divide opiniões. Muitos cristãos defendem que certos ritmos deveriam ficar fora dos templos, mas outros argumentam que todos os louvores feitos para Deus chegam aos céus quando entoados de coração, não importando o ritmo. À luz da Bíblia, será que essa discussão pode chegar a um consenso?

Com a diversidade cultural encontrada de norte a sul do Brasil, fica difícil entender se há realmente algum ritmo que não deveria receber letras cristãs. O cantor e compositor Carlinhos Félix é um dos defensores dessa linha de pensamento. “Eu tenho andado bastante no Brasil e fora dele. Vejo que existe de tudo: ministério de louvor, rock, soul, baladas, pop rock, jazz, forró, xaxado, reteté. Tem de tudo e acho que isso é cultural. O que tem de existir é sabedoria vinda de Deus para introduzir o que não causa divisão. É necessário buscar o que venha agregar”, declarou.

E essa sabedoria tem que ser constantemente pedida ao Pai, porque o que pode não escandalizar a um pode escandalizar a outro que esteja sentado ao lado. O tempero dessa diversidade é o discernimento dado por Deus.

O maestro da banda da Polícia Militar do Espírito Santo e ministro de música da Assembleia de Deus de Aribiri, em Vila Velha, Vanderlei Rocha, é um dos que não são adeptos a mudar o estilo em função de quem vai estar sentado na congregação.

“Não precisamos tocar pagode e reggae, por exemplo, para conquistar esse ou aquele público. Temos que fazer a diferença. Eu posso cantar os hinos ‘Sou feliz’ e ‘Tu és fiel, Senhor’ e isso confortar os corações de surfistas. Mas se a pessoa nasceu na Jamaica e só sabe tocar e cantar reggae, Deus vai receber o louvor da mesma forma. Nós, evangélicos, temos que ser ditadores de opinião e não nos deixarmos levar pela moda. Quando você vai a uma igreja, não quer música de boteco, quer música dos céus. O mundo quer ver luz”, disse.

O maestro Rocha ainda destaca que é preciso lembrar que o louvor é individual, “mas a forma como você se conecta a Deus é coletiva. Se você me colocar para ouvir um pagode gospel, eu não vou conseguir louvar porque vou me sentir em um boteco. E aí a Bíblia diz: ‘Ai daquele que por ele vier o escândalo’ (Mateus 18:7). Devemos nos lembrar de que ‘todas as coisas me são lícitas, mas nem tudo me convém’ (I Coríntios 6:12)”.

A ministra de música da Primeira Igreja Batista de Vitória (PIBV), Alzira Bittencourt de Araújo, defende a mesma ideologia do maestro Rocha e ressalta que o culto deve ser equilibrado e também planejado em coesão com o que será pregado através da mensagem.

“Eu, por exemplo, tenho dificuldade com a dança de rua, que já está sendo feita em várias igrejas, porque ela me remete às gangues. É preciso conhecer a origem da música para depois inseri-la no culto. Há muitas batidas de percussão que lembram o espiritismo e que incomodam as pessoas que já participaram desse meio e que hoje estão convertidas. O culto precisa ser equilibrado, as músicas não devem escandalizar, devem atender o perfil da igreja e precisam estar casadas com a mensagem. Há muitas igrejas que deixam o dirigente de louvor livre para escolher as músicas que quiser, e os louvores acabam não tendo nenhuma ligação com o que Deus vai falar através da mensagem”, declarou.

Na Missão Praia da Costa, em Vila Velha, diversidade musical é o que não falta. Com a membresia repleta de jovens, mas também com muitos adultos com estilo tradicional, cantam-se e tocam-se desde hinos compostos há séculos a, até mesmo, rock e reggae. Matheus Otoni de Araújo, um dos líderes do ministério de louvor, junto com a irmã, Débora Araújo, explica que a escolha das músicas acontece de acordo com o culto.

“A gente toca de tudo na igreja, do samba ao rock. Por exemplo, em março teremos Conferência de Carnaval e vamos montar uma bateria de samba, composta por pessoas da igreja. Vamos tocar um samba-enredo. Por outro lado, temos na igreja o culto dos surfistas e nele a gente toca mais o estilo reggae”, destacou Matheus.

Débora complementa: “Nós nos adequamos ao momento e ao que o dirigente do culto está pedindo. Todos os estilos musicais podem virar louvor a Deus porque Ele é o criador de tudo. Se Deus é o criador supremo de todas as coisas, Ele pode usar maneiras, ritmos, letras, pessoas diferentes. Ele adora usar coisas improváveis para nos deixar sem chão e nos levar a Sua graça. Se Deus pode usar até a gente, por que não usaria os ritmos musicais?”.

Temos nos conformado?

O mundo tem copiado a igreja ou a igreja tem copiado o mundo? A realidade é que há muito do modo de viver mundano inserido nos templos e no dia a dia do louvor do cristão. Seja na forma de compor, de cantar e até de dançar, o espaço que existia há até alguns anos entre um louvor a Deus e uma música secular não é mais um abismo. Às vezes, pode não haver nem mesmo uma brecha entre eles; estão tão parecidos que não há como distingui-los, a não ser por algumas palavras entoadas, como “Deus”, “Jesus”, “adoração”.

O maestro do Ministério Diante do Trono, Sérgio Gomes, da Igreja Batista da Lagoinha, em Minas Gerais, faz um alerta sobre isso: “Não posso dizer que a igreja tem se conformado, mas também não posso negar que, infelizmente, as coisas deste mundo têm encontrado espaço dentro da instituição igreja. Isso acontece não só na música, mas também em outros aspectos. De forma sutil, a falta de amor, de compaixão e a maledicência têm entrado e, talvez, sejam os maiores problemas de ‘mundanização’ que a igreja enfrenta hoje. E isso reflete em tudo o que ela faz, inclusive na arte”.

Para os líderes de louvor e ministros de música que estão atentos às “tendências”, um dos desafios é saber como e quando inserir esses novos elementos no contexto da igreja. Como fazer com que uma congregação que não esteja habituada com bateria, por exemplo, receba bem um grupo de louvor jovem, com direito a guitarra, contrabaixo e percussão?

“É preciso chegar com doses homeopáticas. Se há um ritmo diferente do estilo da igreja, o ministro de música deve ir introduzindo-o aos poucos no culto. Se ele não for bem aceito, retire. Há quase 20 anos, quando cheguei à PIBV, que é uma igreja tradicional, não se podia tocar sax no templo, muito menos bateria. Aos poucos, fomos introduzindo esses instrumentos e mostrando que eles são parte do louvor a Deus. É claro que ainda hoje há muitos que se sentem incomodados, mas já melhorou muito”, explicou Alzira Araújo.

O maestro Sérgio Gomes acrescenta: “Infelizmente, não há uma receita para isso. Precisa haver uma condução do Espírito Santo de Deus. Certas pessoas nunca vão se acostumar com alguns estilos musicais e elas também devem ser respeitadas. A adoração a Deus não está associada a nenhum ritmo específico, mas à intenção por trás de cada ritmo. Posso exaltar a Deus com um frevo e posso não demonstrar adoração alguma com uma música lenta ou suave. Tudo é uma questão de motivação”. Composições simples e equivocadas

Quanto à letra e aos arranjos musicais, é consenso entre entendidos ou não em música falar que os hinos que compõem a “Harpa Cristã”, o “Hinário para o Culto Cristão” e o “Cantor Cristão” são mais trabalhados e têm mais conteúdo bíblico. Mas, cada vez mais, eles estão sendo deixados de lado nas igrejas e estão dando lugar a cânticos que até trazem harmonias lindas, mas nem sempre têm mensagens corretas da Palavra de Deus.

“A verdade é que no Brasil não temos um histórico de composição. Os arranjos musicais de hoje em dia são pobres de texto e de harmonia. Há músicas que temos que cortar pela metade de tanto que se repetem, fora que há letras equivocadas no sentido bíblico. Há alguns anos fizeram uma pesquisa sobre a letra da música e a influência na vida do cristão e descobriu-se que os cânticos atendem a apenas 30% das necessidades espirituais das pessoas. Isso ocorre porque os compositores dessas músicas falam basicamente de salvação ou de contemplação, não abordam outros temas espirituais. As letras ficam muito no ‘Senhor, eu te adoro’. É só achar uma melodia nova, bonita, que todos cantam e faz sucesso”, analisou Alzira Araújo. O maestro Rocha aponta, inclusive, um erro teológico verificado em várias músicas contemporâneas: “Uma mentira que é cantada atualmente é ‘quem tem promessa não morre’. Ora, isso não é bíblico. Sansão era uma promessa de Deus, mas saiu do centro da vontade do Pai e perdeu a bênção. Moisés tinha a promessa de entrar na Terra Santa, mas pecou e não entrou. Temos que ficar atentos a essas músicas porque muitas pessoas acabam se revoltando com Deus porque sofrem algum mal”. A falta de dedicação à oração e à leitura bíblica, e também ao estudo da voz e do instrumento musical, é um dos fatores que levam a essas dificuldades enfrentadas no meio evangélico. “Vivemos momentos de mutações. Deus tem trazido esses novos tempos para a igreja, só que falta preparo. O ditado diz: ‘A boca fala o que o coração está cheio’. Escrevemos o que temos no coração. A pobreza musical é fruto do pouco conhecimento. Se você não estuda música, não tem como caprichar na harmonia. É comum achar músicas com melodias lindas, mas executadas de forma triste e pobre”, afirmou Carlinhos Félix.

“A simplicidade das novas composições pode estar associada à limitada informação musical desta nova geração. Isso não está acontecendo apenas com a música cristã, na secular ocorre a mesma coisa. O grande público está menos exigente, o que reflete um maior consumo de músicas menos elaboradas”, acrescentou o maestro Sérgio Gomes.

Quem é o centro das atenções?

Com tantos modismos musicais, incluindo até trejeitos físicos e vocais para cantar, o ego de quem está na linha de frente dos momentos de louvor das igrejas deve estar constantemente na lista de pedidos de oração. Isso porque na adoração a Deus quem deve aparecer é apenas o Pai e não os homens.

No livro “Tu és fiel, Senhor”, de Carol Cymbala, regente do Brooklyn Tabernacle Choir, nos Estados Unidos, a autora destaca que quando se perde o foco na adoração é preciso repensar até mesmo a conversão.

“Quando experimentamos a glória de Deus, a última coisa que queremos é nos colocar adiante e tentar ser o centro das atenções. Qualquer pregador, cantor, coral ou igreja que queira receber a glória para si próprio precisa de um novo encontro com Jesus Cristo. O nosso lugar é nos bastidores, para que Deus possa estar no centro do palco, em todo o tempo”, destacou Cymbala no livro.

O segundo-tenor do quarteto Arautos do Rei, Tarsis Iraídes, avalia que os ministérios de música das igrejas cresceram e se multiplicaram muito rapidamente e, com isso, começaram a surgir inúmeros problemas. “Primeiro, as igrejas começaram a ter dificuldade de administrar seus músicos. São muitas ideias novas, conceitos e também preconceitos tanto de um lado, quanto do outro. Segundo, surgiram tantas músicas novas no mercado, que o louvor a Deus começou a perder sua identidade.

Terceiro, uma grande parte dos músicos se concentra tanto na performance, que se esquece da essência, em quem deve estar centralizada a nossa esperança de vida eterna. Em muitas situações, o louvor tem sido dado ao músico, e não a Cristo. Assim, a igreja ficou dividida entre a nova e a velha adoração”, disse.

Com base nessa análise, Tarsis Iraídes faz vários questionamentos: “Então, o que fazer com a velha e com a nova adoração? Como resolver os problemas da adoração em minha comunidade? Sua igreja está em pé de guerra por causa da música? Apesar de essas serem perguntas importantes e relevantes, o louvor verdadeiro não causa dissensões nem separações. As formas musicais devem produzir um louvor que atenda as necessidades da alma, apresentando Cristo”.

Carol Cymbala destaca em seu livro que Deus quer muito mais além do que apenas o nosso louvor: “Quando vemos, como Davi, que ‘grande é a glória do Senhor’ (Salmos 138:5), percebemos também, por comparação, quão pequenos e necessitados nós somos. Humilhamo-nos em Sua presença, assim como Moisés, Isaías e o apóstolo Paulo se humilharam. Começamos a entender que Deus é digno não somente de nosso louvor, mas do sacrifício de nossa vida toda. Queremos nos prostrar diante dele porque ‘o Senhor é grande e digno de todo louvor’ (Salmos 96:4)”.

Deus aceita o nosso louvor quando este é feito com sinceridade de coração, quando o que é entoado pela nossa boca modifica o pensamento, faz a alma se achegar mais ao Pai, transforma o ambiente em um pedaço do céu, nos remete à eternidade. Esse é o louvor que é aceito pelo Senhor, seja em que ritmo for.

Conforme Davi disse em Salmos 150: “Louvai ao Senhor. Louvai-o com o som de trombeta; louvai-o com o saltério e a harpa. Louvai-o com o tamborim e a dança, louvai-o com instrumentos de cordas e com órgãos. Louvai-o com os címbalos sonoros; louvai-o com címbalos altissonantes. Tudo quanto tem fôlego louve ao Senhor”.

Fonte: www.guiame.com.br

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